quarta-feira, 9 de julho de 2025

ESTUDO DE CASO - PESQUISA AM 01355/2022.

  

      AS PESQUISAS COMO FORMA DE DESINFORMAÇÃO LEGITIMADA PELA JUSTIÇA ELEITORAL.

Autor: Alexandre Basílio.

 

 

A presente análise trata da pesquisa eleitoral registrada no sistema PesqEle do Tribunal Superior Eleitoral sob o número 01355/2022, cuja responsabilidade foi atribuída à empresa AUGUSTO DA S. ROCHA EIRELI, também identificada como AR7 Pesquisa de Opinião e Consultoria Estatística.

Antes de examinar os requisitos legais e os aspectos metodológicos relacionados ao registro da pesquisa, impõe-se destacar inconsistências de natureza estrutural que, dada sua gravidade, devem sempre ser levadas ao conhecimento do Ministério Público Eleitoral e, em casos específicos, da Polícia Federal para continuidade das investigações.

Tais inconsistências dizem respeito ao cumprimento das obrigações previstas pela Resolução TSE nº 23.600/2019, especialmente quanto à regularidade do cadastro das entidades que realizam pesquisas eleitorais no Brasil.

Nos termos do art. 5º da referida norma, é obrigatória a inserção, no sistema PesqEle, das informações constantes dos incisos I a IX, como condição para o processamento do registro. Entre os dados exigidos, merecem destaque o número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), previsto no inciso III, e o endereço completo para recebimento de notificações e comunicações processuais, conforme disposto no inciso VII e nos §§ 4º e seguintes do art. 13 da Resolução, bem como na norma que regula as representações, reclamações e pedidos de direito de resposta.

Entretanto, conforme revelado por reportagens da imprensa nacional e confirmado por meio de análise documental, a empresa responsável pela pesquisa de número 01355/2022 não observou de forma satisfatória tais exigências. As imprecisões constantes nos dados apresentados ao sistema da Justiça Eleitoral fragilizam a credibilidade do levantamento e suscitam sérias dúvidas quanto à lisura de sua execução.

O responsável técnico e proprietário da empresa é o Sr. Augusto da Silva Rocha, que registrou sua empresa na Receita Federal sob o CNPJ nº 29.833.202/0001-04. Consta como endereço da pessoa jurídica o imóvel localizado na Rua Jaboticabal, nº 98, bairro Vila Bertioga, município de São Paulo.

Não obstante, verifica-se a existência de divergências relevantes entre as informações constantes nos cadastros oficiais e aquelas informadas no momento do registro da pesquisa perante a Justiça Eleitoral, como se observa das imagens seguintes.

Note que a partir do site da Receita Federal é possível analisar os dados da pessoa jurídica registrada. Observem o endereço oficial da AR7 Pesquisa de Opinião e Consultoria Estatística:

Foi realizada a verificação do endereço que, nos termos da Resolução TSE nº 23.600/2019, deve ser obrigatoriamente informado para fins de eventual solicitação de acesso aos dados internos da pesquisa.

A localização indicada foi consultada por meio do Google Maps, sendo possível visualizar o imóvel no seguinte link:

https://www.google.com/maps/place/Rua+Jaboticabal,+98+-+Vila+Bertioga,+S%C3%A3o+Paulo+-+SP,+03188-000/@-23.5602276,-46.5819164,3a,34.9y,197.89h,90.52t/data=!3m6!1e1!3m4!1sMlya8UqajuXC72MWKM-F8g!2e0!7i16384!8i8192!4m5!3m4!1s0x94ce5ea510234661:0x8aafee5989868961!8m2!3d-23.5603495!4d-46.58198

 

Clicando na URL informada, chega-se à seguinte imagem do local vinculado ao endereço cadastrado pela empresa responsável pela pesquisa eleitoral: trata-se de uma residência simples, sem qualquer identificação que indiquem o funcionamento regular de empresa dedicada à realização de pesquisas de opinião ou à prestação de serviços estatísticos.

Observa-se que o número 98 corresponde, na verdade, ao pavimento superior de um estabelecimento comercial — especificamente, uma padaria localizada no térreo. Para dar maior respaldo à análise e contextualizar adequadamente a estrutura física do local indicado, apresenta-se, a seguir, a visualização do imóvel por outro ângulo, obtida também por meio do Google Maps.

 

A partir da análise do endereço cadastrado, adotou-se uma prática comum na investigação de empresas com indícios de irregularidade: a verificação da existência de outras pessoas jurídicas registradas no mesmo local.

A consulta revelou que, no mínimo, dez empresas estão formalmente domiciliadas nesse endereço. Ressalte-se que a busca foi interrompida após a décima identificação, diante da constatação de que a quantidade de registros ali concentrados era significativamente superior, sugerindo tratar-se de endereço utilizado como domicílio fiscal de múltiplas empresas, prática frequentemente associada à constituição de pessoas jurídicas de fachada.

Abaixo seguem os documentos das empresas que, em tese, funcionam no mesmo endereço:

 

 

 

 

 

 

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Diante dos indícios de irregularidades já apontados e da ausência de informações obrigatórias exigidas para o correto preenchimento do sistema PesqEle, nos termos do art. 5º da Resolução TSE nº 23.600/2019, impõe-se questionar a própria legitimidade e autenticidade do registro da empresa AUGUSTO DA S. ROCHA EIRELI / AR7 Pesquisa de Opinião e Consultoria Estatística junto à Justiça Eleitoral.

A gravidade dos elementos identificados permite cogitar, inclusive, a invalidade das pesquisas eleitorais registradas por essa pessoa jurídica no ano de 2022, hipótese que pode ser objeto de provocação formal dirigida ao Tribunal Superior Eleitoral por partidos políticos ou pelo Ministério Público Federal.

Além dos fortes indícios de que se trata de uma empresa de fachada, merece especial atenção o fato de o capital social declarado ser de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Tal dado, por si só, não ensejaria suspeitas, não fosse o volume e a abrangência dos registros realizados no curto intervalo dos sete dias considerados nesta investigação.

Entre os dias 17 e 24 de setembro de 2022, a empresa cadastrou, no sistema PesqEle, um total de 17 (dezessete) pesquisas eleitorais, distribuídas por diferentes regiões do país, todas declaradamente custeadas com recursos próprios. A dimensão da operação e o seu financiamento exclusivo sem contratação por terceiros reforçam a necessidade de apuração rigorosa acerca da capacidade operacional e financeira da empresa.

Observem os dados oficiais:

  

Destaca-se, ainda, que a referida empresa, localizada no pavimento superior de uma padaria e que compartilha o endereço com ao menos outras nove pessoas jurídicas,  é responsável pelo registro de 17 (dezessete) pesquisas eleitorais realizadas em municípios geograficamente distantes entre si.

Como exemplo, cita-se a pesquisa registrada no estado do Amazonas em 17 de setembro de 2022 e, posteriormente, aquelas declaradas nos estados de São Paulo, Pará e Maranhão, todas no dia 24 do mesmo mês. Trata-se de distâncias superiores a 3.000 quilômetros entre alguns desses municípios, o que impõe um questionamento legítimo sobre a capacidade operacional de execução simultânea desses levantamentos em campo.

Conforme consta dos registros oficiais, todas essas pesquisas foram declaradas como custeadas com recursos próprios da empresa. Assim, no intervalo de apenas dez dias, a pequena pessoa jurídica de titularidade do Sr. Augusto da Silva Rocha comprometeu-se com despesas superiores a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em levantamentos eleitorais em diversas unidades da federação, sem que se verifique qualquer contratação por terceiros ou fonte de financiamento externa.

Vejamos a seguir os dados que ilustram essa operação.

 

 

Número da pesquisa

Empresa

Data do Registro

Local

Custo da Pesquisa:

 

 

AM-01355/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

17/09/22

AMAZONAS

R$ 30.000,00

 

 

PA-05811/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

20/09/22

PARÁ

R$ 20.000,00

 

 

BR-00865/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

20/09/22

BRASIL

R$ 20.000,00

 

 

PA-06644/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

22/09/22

PARÁ

R$ 20.000,00

 

 

MA-06953/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

23/09/22

MARANHÃO

R$ 40.000,00

 

 

BR-02677/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

24/09/22

BRASIL

R$ 7.000,00

 

 

SP-09754/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

24/09/22

SÃO PAULO

R$ 7.000,00

 

 

BR-07908/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

24/09/22

BRASIL

R$ 7.000,00

 

 

MA-06697/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

24/09/22

MARANHÃO

R$ 7.000,00

 

 

SP-09107/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

24/09/22

SÃO PAULO

R$ 7.000,00

 

 

BR-07196/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

24/09/22

BRASIL

R$ 7.000,00

 

 

SP-05784/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

24/09/22

SÃO PAULO

R$ 7.000,00

 

 

BR-09242/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

24/09/22

BRASIL

R$ 7.000,00

 

 

SP-06277/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

24/09/22

SÃO PAULO

R$ 7.000,00

 

 

SP-02664/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

24/09/22

SÃO PAULO

R$ 7.000,00

 

 

BR-01564/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

24/09/22

BRASIL

R$ 7.000,00

 

 

P-08473/2022

AUGUSTO DA S ROCHA EIRELI /

24/09/22

SÃO PAULO

R$ 7.000,00

 

 

 

 

TOTAL

R$ 214.000,00

 

Dispensa-se qualquer juízo adicional quanto à gravidade dos indícios revelados. É, no mínimo, questionável que uma empresa registrada em um imóvel situado sobre uma padaria, o mesmo endereço de outras dez pessoas jurídicas, declare, como recursos próprios, valores investidos em pesquisas eleitorais que correspondem ao dobro do seu capital social registrado.

Tal discrepância, associada à dispersão territorial das coletas de dados e à ausência de contratações por terceiros, compromete a credibilidade da atuação empresarial e sugere a existência de irregularidades que demandam apuração imediata.

A relevância do caso também foi percebida por outros agentes de controle social. O jornal O Globo, ao tratar da atuação do estatístico Augusto da Rocha, proprietário da empresa AR7 Pesquisa de Opinião e Consultoria Estatística, registrou o seguinte trecho:

https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2020/estatistico-recordista-na-supervisao-de-pesquisas-eleitorais-sera-investigado-por-conselho-da-categoria-24719770


Importa ressaltar que as 17 pesquisas registradas pela empresa AR7 não são as únicas sob a responsabilidade técnica do estatístico Augusto da Silva Rocha. O mesmo profissional também figura como responsável por diversos levantamentos realizados por outras empresas do setor, como é o caso da J. J. Coelho / Instituto Phoenix & Associados, pela qual subscreveu, no mínimo, outras 12 pesquisas eleitorais no mesmo período. Considerando apenas essas duas pessoas jurídicas, constata-se que Augusto da Silva Rocha acumulava, à época, a responsabilidade técnica por 29 (vinte e nove) pesquisas eleitorais registradas no Tribunal Superior Eleitoral.

Tal volume de atuação, concentrado em curto espaço de tempo, não passou despercebido pelas instâncias fiscalizatórias da própria categoria profissional. A elevada produtividade do estatístico já foi alvo de críticas e apurações por parte do Conselho Federal de Estatística, o que reforça a necessidade de maior controle sobre a atuação de profissionais que operam nesse segmento estratégico do processo eleitoral.

Entretanto, uma questão de ordem lógica impõe-se: por qual razão alguém custearia e assinaria, com recursos próprios, 17 pesquisas eleitorais, distribuídas por diferentes regiões do país, sem qualquer retorno financeiro declarado? Que tipo de motivação justificaria tamanho engajamento sem vínculo contratual ou compensação econômica? Esse aparente paradoxo foi abordado em investigação jornalística conduzida por O Globo, conforme se observa a seguir:

https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2020/pesquisas-eleitorais-bancadas-por-institutos-crescem-em-meio-suspeitas-de-fraudes-conheca-as-historias-24719935

Como se depreende da análise acima, o cenário delineado revela a existência de um verdadeiro leilão de resultados, no qual os números divulgados nas pesquisas eleitorais são moldados conforme a conveniência de quem estiver disposto a financiar tais levantamentos. Esse modelo compromete a integridade do processo democrático e dá ensejo a uma forma sofisticada de desinformação, chancelada pela própria Justiça Eleitoral ao deixar de adotar mecanismos efetivos de verificação e controle sobre os dados declarados pelas empresas responsáveis.

Além das irregularidades formais já apontadas, especialmente aquelas relativas ao endereço da empresa, à capacidade operacional e ao custeio incompatível com o capital social declarado, identificam-se vícios adicionais que, por si só, seriam suficientes para ensejar a invalidação do registro da pesquisa e sua equiparação a levantamento não registrado, nos termos da legislação eleitoral.

Nessas hipóteses, a sanção prevista é a aplicação de multa, cujo valor mínimo é de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil duzentos e cinco reais), conforme estabelece o art. 18 da Resolução TSE nº 23.600/2019. A seguir, detalham-se os demais elementos que comprometem a regularidade da pesquisa em questão.

1) Da ausência de informação quanto à origem dos recursos utilizados na realização da pesquisa eleitoral

A Resolução TSE nº 23.600/2019 estabelece, de forma expressa, a obrigatoriedade de indicação da origem dos recursos empregados na realização de pesquisas eleitorais, mesmo quando estas forem custeadas com recursos próprios. Trata-se de exigência voltada à transparência do processo e à fiscalização da regularidade do financiamento dos levantamentos de opinião divulgados durante o período eleitoral.

Dispõe o art. 2º da mencionada norma:

Art. 2º Para os fins desta resolução, consideram-se obrigatórias as seguintes informações:

(...)

II – valor e origem dos recursos despendidos na pesquisa, ainda que realizada com recursos próprios. (sem grifos no original)

No entanto, ao se examinar o registro da pesquisa AM-01355/2022 no sistema PesqEle, constata-se a completa omissão quanto à origem dos valores empregados. Limita-se o responsável técnico a informar genericamente o uso de recursos próprios, sem qualquer detalhamento sobre a fonte, natureza ou lastro financeiro que sustente o custeio da operação — o que afronta diretamente a exigência normativa e compromete a transparência e a rastreabilidade dos dados financeiros envolvidos.

A ausência dessa informação impede o controle institucional e social sobre possíveis fraudes, simulações contratuais ou utilização indevida de recursos para influenciar a opinião pública, especialmente em um cenário eleitoral de elevada competitividade. Tal omissão, por si só, configura hipótese de descumprimento da Resolução e fundamenta eventual requerimento de invalidação da pesquisa, com a aplicação das sanções previstas.  

 

2) Da ausência de indicação da área física de realização da pesquisa no momento do registro

 

A Resolução TSE nº 23.600/2019 estabelece, como condição indispensável para o registro válido de pesquisas eleitorais, a apresentação de informações detalhadas sobre o plano amostral. Entre os elementos exigidos, encontra-se a descrição da área física de realização do trabalho a ser executado, o que permite aferir a abrangência territorial da coleta dos dados e a consistência metodológica da amostra.

 O comando normativo encontra-se delineado no inciso IV do § 2º do art. 2º da referida resolução:

 Art. 2º

(...)

§ 2º Para efeito de registro, a proposta de pesquisa a ser realizada deverá conter:

(...)

IV – plano amostral e ponderação quanto a gênero, idade, grau de instrução, nível econômico da pessoa entrevistada e área física de realização do trabalho a ser executado, bem como nível de confiança e margem de erro, com a indicação da fonte pública dos dados utilizados.

 No caso da pesquisa AM-01355/2022, verifica-se que tal requisito não foi observado. O campo destinado à descrição da área física de realização da pesquisa foi deixado em branco ou preenchido de forma genérica e insuficiente, sem qualquer delimitação espacial que permita aferir a coerência entre o local da coleta e os dados estatísticos apresentados. A ausência dessa informação compromete a validade metodológica da pesquisa e inviabiliza a sua adequada fiscalização por parte dos partidos, do Ministério Público e da própria Justiça Eleitoral. 

Trata-se, portanto, de vício material que, além de descumprir frontalmente a norma regulamentar, inviabiliza a aferição da representatividade da amostra e compromete a transparência e a legitimidade do levantamento divulgado.

O mesmo estatístico, em outra oportunidade, cuidou de mencionar a área física de realização do trabalho, conforme notamos da pesquisa feita por ele, registrada sob o número 05811/2022, no Pará, na mesma semana:

Prova de que o profissional sabe desta obrigação é que em outra pesquisa o preenchimento dos dados obrigatórios foi observado:



3) Da ausência de inclusão de todos os candidatos oficialmente registrados no questionário da pesquisa

A Resolução TSE nº 23.600/2019 é categórica ao estabelecer que, a partir da publicação dos editais de registro de candidaturas, todas as pessoas oficialmente registradas devem obrigatoriamente constar na lista de opções apresentada às pessoas entrevistadas nas pesquisas eleitorais de cunho estimulado.

Dispõe o art. 3º da norma:

 Art. 3º A partir das publicações dos editais de registro de candidatas e candidatos, os nomes de todas as candidatas e de todos os candidatos cujo registro tenha sido requerido deverão constar da lista apresentada às pessoas entrevistadas durante a realização das pesquisas. (sem grifos no original)

 Apesar da clareza do dispositivo, a pesquisa AM-01355/2022 revela descumprimento também quanto a esse requisito. A análise do questionário utilizado evidencia a omissão do nome do candidato Pastor Peter Miranda, que, à época, figurava com pedido de registro regularmente apresentado para o cargo de Senador.

A exclusão de um nome validamente registrado compromete não apenas a fidelidade do levantamento em relação à realidade eleitoral, mas também pode influenciar indevidamente a percepção do eleitorado, ao induzir a impressão de que determinado candidato não está mais na disputa ou não possui relevância eleitoral. Trata-se, portanto, de violação grave às normas que regulam a realização de pesquisas eleitorais, passível de ensejar sanções e de justificar a invalidação do levantamento.

A exclusão do nome do candidato Pastor Peter Miranda do questionário de pesquisa estimulada, referente à disputa pelo cargo de Senador no estado do Amazonas, não foi o único erro identificado. Verifica-se, ainda, que o material visual utilizado durante as entrevistas — comumente denominado disco e destinado à exibição das fotografias e nomes dos candidatos ao eleitor entrevistado — também apresentou inconsistência relevante: a ausência da imagem do candidato Omar Aziz, então regularmente registrado na disputa ao Senado Federal.

Tal omissão fere diretamente o princípio da isonomia entre os candidatos, além de comprometer a neutralidade e a confiabilidade do instrumento de pesquisa. A apresentação incompleta dos nomes e imagens no material utilizado em campo constitui grave irregularidade, apta a gerar distorções nos resultados apurados e a justificar, por si só, a desconsideração da pesquisa para fins de divulgação oficial.

 

 

 4) Do uso indevido de documento com assinatura digital desvinculado da pesquisa AM-01355/2022

A Resolução TSE nº 23.600/2019, ao disciplinar os requisitos para o registro de pesquisas eleitorais, estabelece de forma clara a obrigatoriedade de identificação do profissional de Estatística responsável, exigindo não apenas a indicação de seu nome e número de registro no Conselho Regional competente, mas também a apresentação de assinatura com certificação digital, vinculada especificamente à pesquisa registrada.

O comando normativo está previsto no art. 2º, inciso IX:

Art. 2º


(...)
IX – nome da(o) profissional de Estatística responsável pela pesquisa, acompanhado de sua assinatura com certificação digital e o número de seu registro no Conselho Regional de Estatística competente.

No entanto, ao se examinar os documentos anexados ao registro da pesquisa AM-01355/2022, verifica-se que a empresa responsável apresentou um arquivo com assinatura digital do estatístico que não guarda qualquer relação com a pesquisa em análise. Trata-se de documento genérico, ou mesmo vinculado a outro levantamento, o que evidencia o descumprimento do requisito normativo essencial.

Tal irregularidade compromete a autenticidade do registro, pois inviabiliza a validação técnica do responsável pelo plano amostral e pela metodologia empregada. Além disso, impede a responsabilização do profissional caso sejam identificadas fraudes estatísticas ou distorções metodológicas, violando diretamente os princípios da transparência, da rastreabilidade e da boa-fé no processo eleitoral. Trata-se, portanto, de vício formal e material apto a ensejar a nulidade do registro e a aplicação das penalidades previstas.

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5) Da falha na complementação dos dados exigidos — pesquisa considerada não registrada

 

De forma ainda mais grave que as irregularidades anteriormente descritas, verifica-se que a empresa responsável deixou de cumprir requisito essencial à validade do registro, qual seja, a complementação obrigatória dos dados da amostra, nos termos do § 7º do art. 2º da Resolução TSE nº 23.600/2019.

O dispositivo assim dispõe:

 

Art. 2º, § 7º A partir do dia em que a pesquisa puder ser divulgada e até o dia seguinte, o registro deverá ser complementado, sob pena de ser a pesquisa considerada não registrada, com os dados relativos:
(...)
IV – em quaisquer das hipóteses dos incisos I, II e III deste parágrafo, ao número de eleitoras e eleitores pesquisadas(os) em cada setor censitário e à composição quanto a gênero, idade, grau de instrução e nível econômico das pessoas entrevistadas na amostra final da área de abrangência da pesquisa eleitoral.

 

No caso da pesquisa AM-01355/2022, tal complementação não foi realizada. A ausência dos dados desagregados por setor censitário e das informações sobre a composição amostral — como gênero, faixa etária, escolaridade e nível econômico — impossibilita a verificação da consistência metodológica da pesquisa, bem como a replicabilidade da inferência estatística realizada.

Conforme prevê expressamente a norma, a omissão nesse ponto acarreta a desqualificação do levantamento como pesquisa registrada, equiparando-o, para todos os fins legais, a uma pesquisa clandestina, sujeita às sanções previstas, inclusive a multa mínima de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil duzentos e cinco reais), conforme dispõe o art. 18 da mesma resolução. Trata-se, portanto, de vício insanável, que compromete a validade jurídica e a confiabilidade pública da pesquisa em questão.

 

Conclusão

 

O caso analisado não constitui uma exceção, mas representa uma prática recorrente no cenário eleitoral brasileiro. A existência de pesquisas com indícios de irregularidade — seja na origem dos recursos, na estrutura das empresas responsáveis, na metodologia empregada ou na omissão de dados obrigatórios — evidencia um modelo permissivo e frágil de controle, no qual a responsabilidade pela integridade das informações repousa exclusivamente sobre os entes privados que produzem os levantamentos.

A preocupação se acentua diante da impossibilidade de atuação proativa por parte da Justiça Eleitoral, que, por ausência de previsão constitucional e legal específica, não detém competência para exercer controle prévio sobre o conteúdo das pesquisas registradas, ainda que estas sejam amplamente divulgadas e interpretadas pela população como se se tratasse de dados oficiais, legitimados pelo próprio TSE.

Tal limitação está expressamente reconhecida na Resolução TSE nº 23.600/2019. De um lado, o § 5º do art. 2º dispõe que "a integridade e o conteúdo dos arquivos e das informações inseridos no PesqEle são de inteira responsabilidade da entidade ou empresa realizadora do registro da pesquisa eleitoral". De outro, o § 1º do art. 10, incluído pela Resolução TSE nº 23.676/2021, é claro ao afirmar que "a Justiça Eleitoral não realiza qualquer controle prévio sobre o resultado das pesquisas, tampouco gerencia ou cuida de sua divulgação."

Esse vácuo institucional acaba por permitir que levantamentos estatísticos potencialmente fraudulentos circulem com aparência de legalidade, gerando desinformação e interferindo na formação da vontade popular. A ausência de mecanismos legais eficazes para impedir ou corrigir essas distorções coloca em risco a lisura do processo eleitoral e exige urgente reflexão sobre a necessidade de aprimoramento normativo no tratamento das pesquisas eleitorais no Brasil, o que esperamos que aconteça com a chegada do novo Código Eleitoral.

 

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