Por Alexandre Basílio - Analista Judiciário,
Palestrante e Professor de Direito Eleitoral.
Em 1880 houve o recenseamento decenal americano. Um procedimento que antes das máquinas de leitura de cartões perfurados, criadas por Herman Hollerity, demorava entre 8 e 9 anos para atualizar a contagem de uma população estimada em 50 milhões de americanos.
Quando o resultado ficou pronto, em 1888, o chefe do escritório do censo, Charles Seaton, enviou uma estranha carta ao Congresso. Seaton tentou explicar à House of Representives que se houvesse 299 assentos no congresso, o Estado do Alabama manteria 8 dessas cadeiras. No entanto, se houvesse 300 assentos o Alabama ficaria com apenas 7 cadeiras, perdendo 1 das suas cadeiras e consequentemente enfraquecendo o Estado. Estava então criado o mais famoso paradoxo político da história, o Paradoxo do Alabama.
A explicação para tal fenômeno é simples e exige apenas matemática básica. O número de deputados americanos no Congresso dependia do tamanho da população. Ao se descobrir tal número por meio do recenseamento realizado a cada dez anos, era atualizado o número de cadeiras no Congresso, garantindo-se uma representação proporcional de deputados para população, chamada pelos americanos de apportionment.
Para se realizar tal cálculo, os americanos utilizavam o método Hamilton, criado em 1791 pelo primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Alexander Hamilton, e utilizado até 1901, quando foi substituído por outro método de proporções corretas. O paradoxo é consequência da forma como o método de Hamilton definia as vagas após dividir o número de eleitores pelo número de lugares. Levando-se em consideração a disputa entre os concorrentes quanto ao valor completo após o número inteiro do resultado, surgia, então, a inconsistência paradoxal.
Paradoxos matemáticos ligados à política vêm sendo estudados e demonstrados desde então. E existem vários pelo mundo. O próprio Paradoxo de Alabama se desdobrou também nos paradoxos do novo estado e no paradoxo da população. Em cada sistema de conversão de votos em cadeiras é possível encontrar paradoxos em determinadas situações e a depender dos seus objetivos. Essa é uma das razões para Keneth Arrow afirmar em seu trabalho de doutorado sobre o Teorema da Impossibilidade, vencedor do Nobel de economia de 1972, não haver sistema eleitoral perfeito.
De fato, não há sistema eleitoral perfeito. Há sempre uma dualidade de objetivos. Ou se busca garantir a governabilidade ou a representatividade, a depender do contexto político e econômico do país alvo do sistema a ser utilizado. No entanto, as alterações, mesmo que mínimas, em qualquer sistema eleitoral, devem ser feitas com extrema precaução, tendo-se em vista que inconsistências e paradoxos podem não ter sido previstos, caso não haja modelagem matemática computacional, o que no legislativo brasileiro é algo inexistente.
Toda essa introdução é para falar sobre a inovação trazida pela Lei 13.165/15, que alterou o Art. 108, do Código Eleitoral de 1965, criando uma cláusula de desempenho individual, a qual eu venho chamando de Paradoxo da Proporcionalidade. Tal alteração tem como objetivo evitar que o excesso de votos de um candidato leve, por arrastamento, candidatos que receberam poucos ou nenhum voto. Candidatos eleitos mesmo sem voto é uma possibilidade existente no sistema proporcional brasileiro desde 1932, ano de sua criação no Código Eleitoral de Assis Brasil.
Tal situação, bastante peculiar, já aconteceu em eleições gerais como a de 1945, quando Hermelindo Castelo Branco foi eleito deputado federal com zero voto. Mais recentemente, no ano de 2002, o candidato Tocera, arrastado pelo Enéas, também foi eleito mesmo sem ter nem sequer o próprio voto, embora por problemas legais não tenha tomado posse.
Embora o fenômeno do arrastamento venha ocorrendo no Brasil desde a década de 30, foi no caso Tiririca que ele gerou os maiores clamores populares e atraiu a atenção do eleitorado e, por consequência, do legislador.
A solução criada pelo legislativo foi exigir que, ainda que alcançado o quociente partidário positivo e garantidas as vagas para o partido, um candidato só poderia assumir o mandato caso tivesse obtido ao menos 10% (dez por cento) do valor do quociente eleitoral, conforme prevê a nova redação do art. 108 do Código Eleitoral que transcrevo abaixo:
Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015).
Conforme já dito alhures, o legislativo realizou uma experimentação matemática no sistema eleitoral, utilizado desde 1932 no Brasil. Tal alteração mostra-se bastante temerária e inconsequente, uma vez que não passou por modelagem matemática para que fossem analisadas suas possíveis consequências, positivas e negativas. Sim, elas existem e são graves, pois conforme demonstrarei, surgiu a possibilidade de vir a ocorrer um paradoxo que vira ao avesso o sistema proporcional (criando, praticamente, o primeiro sistema desproporcional do mundo), violando frontalmente o princípio de mesmo nome previsto no art. 45 da Constituição de 1988.
Atendendo aos clamores populares, os legisladores criaram a cláusula de barreira individual por meio da necessidade de se atingir 10% do valor do quociente eleitoral em votos para se ocupar uma cadeira. Disso, surgem os seguintes questionamentos: seria realmente necessária tal alteração? Quantos casos de puxadores de votos ocorreram nas eleições gerais e municipais passadas? Tal número justifica a mudança?
Por certo, nós, eleitores, não tomamos conhecimento dos estudos realizados pelo Congresso Nacional. Sabe o porquê? Simplesmente porque eles nunca existiram. A modificação foi feita a esmo, sem qualquer estudo prévio. Para que se tenha uma ideia, nas eleições de 2012 apenas 18 casos de puxadores de votos ocorreram entre os 5.570 municípios brasileiros. Foram 4 casos em Minas Gerais, 1 no Paraná, 2 no Rio de Janeiro, 2 no Rio Grande do Norte e 5 em São Paulo. Já nas eleições de 2014 apenas dois casos. Um em São Paulo e outro no Rio Grande do Sul. Defendo que 20 casos em todo o país, nas duas últimas eleições, não justificam uma modificação legislativa tão arriscada.
Alterações como essa são o que o constitucionalista e Prof. Marcelo Neves chama de legislação simbólica, aquela que existe apenas para dar uma resposta à sociedade. Não objetiva realmente resolver o problema existente. Percebe-se, portanto, que o número de casos dos chamados puxadores de votos é irrisório, sem substância para implicar uma alteração legislativa, sobretudo quando não estudada em profundidade.
Para se entender o resultado negativo da inovação precipitada do Congresso Nacional precisamos analisar uma possibilidade paradoxal trazida por ela. O princípio básico do sistema proporcional é garantir que haja uma relação direta entre a votação do partido e as cadeiras em disputa alcançadas, ou seja, um partido que receba 30% dos votos, o que se espera é que ele receba 30% das cadeiras da câmara em disputa.
Essa ideia, que prevalecia desde a criação do sistema proporcional brasileiro por Assis Brasil, embora tenha sofrido modificações casuais em 1945 para favorecer o maior partido na Constituinte de 1946, vinha prevalecendo desde a sua alteração em 1950, sendo aperfeiçoada em 88 com a retirada dos votos brancos do cálculo das eleições para o executivo e, em seguida em 1997, com a retirada da contagem dos votos brancos para o cálculo das eleições proporcionais.
Contudo, nossa crítica neste trabalho é como uma alteração despretensiosa pode violar as bases do sistema proporcional brasileiro, gerando paradoxos graves em algumas situações que, ainda que raras, são preocupantes. Vamos lá.
Sabe-se que no sistema proporcional brasileiro mantemos três fases de cálculos para a resolução do pleito proporcional. Na primeira fase se calcula o quociente eleitoral (Q.E), que possui dois significados.
O primeiro significado diz respeito ao valor de cada cadeira em votos naquela eleição. Esse valor vai variar de acordo com o número de pessoas que participarem do pleito. Quanto maior a participação do eleitorado, mais valiosa é a cadeira. De forma bastante simplista, objetivando garantir a compreensão, o quociente eleitoral (resultado de uma divisão, por isso não confunda com coeficiente), é apenas a divisão do total de votos válidos, pelo número de cadeiras. Se tivermos 100 votos válidos e 10 cadeiras, o Q.E resulta em 10. Nesse caso, a legislação eleitoral entende que, se o valor do Q.E resultar em fração igual ou inferior a 0,5, arredonda-se para baixo, senão, o arredondamento deve ser para cima.
Até a Lei 13.488/2017 o quociente eleitoral também significava uma cláusula de barreira para os partidos, pois só passavam para as próximas fases de cálculos aqueles que tivessem rompido tal obstáculo. Atualmente esse obstáculo não mais se aplica por força da recente alteração no §2º do Art. 109 do Código Eleitoral.
Código Eleitoral, Art. 109.
§ 2º Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos e coligações que participaram do pleito.
Na segunda fase, definimos quantos votos cada grupo participante da eleição conseguiu garantir. Aqui já temos o resultado proporcional almejado pelo sistema. Basta dividir a quantidade de votos alcançados por cada partido isolado ou coligação, pelo valor do quociente eleitoral já encontrado.
Em uma situação hipotética, na qual o partido A tenha conseguido 33 dos 100 votos válidos, sendo o quociente eleitoral igual a 10, o quociente partidário será (Q.P), de 3,33 cadeiras, resultado de 33/10. 30% dos votos, 30% das cadeiras. Perceba, contudo, que o resultado gerou um valor fracionado e, nesta etapa, qualquer fração deve ser desconsiderada.
Isso faz com que o resultado final da eleição seja adiado, pois não definimos o destino de todas as cadeiras a serem distribuídas. Se for desconsiderado 0,33 cadeira para o partido A, 0,4 para o partido B e 0,27 para o partido C, teremos 1 (uma) cadeira que não foi distribuída na segunda fase de cálculo, razão pela qual obrigatoriamente teremos uma última fase de cálculos, chamada de cálculo das sobras.
Na terceira fase, em razão do desprezamento das frações da segunda etapa, faremos o cálculo das sobras. Aqui, o que faz a diferença é o prejuízo quando do desprezamento da fração. Via de regra, o partido/coligação que teve o maior prejuízo no desprezamento das frações da segunda etapa ficará com a cadeira da sobra.
O cálculo é feito dividindo-se o número de votos alcançados pelo partido ou coligação, pelo seu próprio Q.P, +1. Para exemplificar, o partido A, com os seus 30 votos do exemplo anterior, seria submetido ao seguinte cálculo: 30/3+1, ou seja, 30/4.
Entre os disputantes, caso ele obtivesse o maior resultado dessa divisão, ficaria com a vaga da sobra. Lembrando que para cada uma das vagas de sobra deve ser feita uma rodada de cálculos. Sendo assim, se houvesse duas vagas de sobra, na próxima rodada o partido A seria submetido ao seguinte cálculo: 30/4+1, ou seja, 30/5. Caso contrário, todas as vagas ficariam para o partido A (Ver ADI 5420). Um detalhe interessante é que nessa fase o TSE já decidiu que deve ser levada em consideração até a 14ª casa decimal, para efeito de desempate.
Assim eram feitos os cálculos até a Lei. 13.165/2015. Com a alteração, passamos a verificar, também, se cada um dos candidatos dentro dos partidos que conseguiram uma vaga atenderam a cláusula de desempenho individual, qual seja os 10% do quociente eleitoral. Nessa etapa pode ocorrer o Paradoxo da proporcionalidade.
Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.
Vejamos abaixo uma possível eleição proporcional em um dos 5570 municípios brasileiros.
Partido/Coligação A
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Votação:
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Partido/Coligação B
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Votação:
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Partido/Coligação C
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Votação:
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Candidato A |
230 |
Candidato E |
110 |
Candidato I |
40 |
Candidato B |
90 |
Candidato F |
20 |
Candidato J |
30 |
Candidato C |
6 |
Candidato G |
7 |
Candidato K |
20 |
Candidato D |
4 |
Candidato H |
2 |
Candidato L |
10 |
Total: |
330 votos |
Total: |
139 votos |
Total: |
100 votos |
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Realizada a eleição acima, percebemos que houve 569 (330 +139 +100) votos válidos para um total de 9 cadeiras. Com isso, podemos calcular o nosso Q.E, que resulta em 63,22, que será arredondado para 63.
A primeira curiosidade quanto à clausula de desempenho individual é que não se sabe qual será o arredondamento aplicado a ela. A lei não faz qualquer previsão quanto a isso. De antemão, pelos cálculos da primeira fase, já sabemos que os candidatos da nossa eleição exemplo que não receberam no mínimo 6,3 votos, estarão proibidos de ocupar uma cadeira.
Atente para o fato de que não existe voto fracionado. Os técnicos do TSE, ao construír o algoritmo do Totalizador (programa responsável por finalizar os cálculos da eleição a partir dos resultados), na falta de previsão legal, colocarão no sistema a exigência de se alcançar 10% do quociente eleitoral. Como não se pode alcançar um valor de voto fracionado, de forma ilegal, será exigido mais de 10%.
Dessa forma, se isso não for questionado, havendo frações, o sistema sempre exigirá mais de 10% do Q.E para um candidato ocupar a cadeira, pela ausência lógica de valor menor. Explicando melhor, o candidato C do partido A na tabela acima, teria que ter alcançado 7 (sete) votos, pois seria impossível alcançar 6,3. Como ele alcançou 6 (seis) votos, estará impedido de ocupar a cadeira e o próximo resultado possível para ele é 7 votos, valor que representa 11,1% do Q.E.
Assim, só obterão o mandato para a nossa eleição exemplo, os candidatos que conseguirem 11,1% do quociente eleitoral. Nesse caso, a resolução do TSE deveria ter regulamentado o Art. 108 do Código Eleitoral para arredondar para baixo a cláusula de desempenho individual, garantindo que não seja exigido valor superior ao mínimo legal.
Seguindo na apuração da nossa eleição exemplo, podemos calcular o quociente partidário de cada partido. Nesta fase percebemos os seguintes cálculos: - Partido A - 330/63, Partido B - 139/63 e Partido C- 100/63.
Os resultados arredondados são, respectivamente, 5 cadeiras para o partido/coligação A, 2 cadeiras para o partido/coligação B e 1 cadeira para o partido/coligação C, num total de 8 das 9 vagas distribuídas, resultado que representa bem a proporcionalidade entre votação recebida e cadeiras distribuídas.
Assim, distribuímos 8 das nossas 9 cadeiras. Mas devido aos arredondamentos da segunda fase, teremos uma cadeira para o cálculo das sobras.
Contudo, nesta etapa surge um grave problema. O que fazer com as cadeiras dos partidos que não possuem candidatos aptos, ou seja, que não possuem candidatos com 10% ou mais do quociente eleitoral. Perceba que o partido A conseguiu 5 cadeiras, no entanto, só dois dos seus candidatos alcançaram a cláusula de desempenho individual. A nova lei traz a resposta no parágrafo único do art. 108, do Código Eleitoral. Vejamos:
Parágrafo único. Os lugares não preenchidos em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o caput serão distribuídos de acordo com as regras do art. 109. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
O parágrafo único faz menção ao Art. 109 do Código Eleitoral. O art. 109 é aquele que dispõe sobre o cálculo das sobras. Vejamos:
Art. 109. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários e em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o art. 108 serão distribuídos de acordo com as seguintes regras: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015).
I - dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação pelo número de lugares definido para o partido pelo cálculo do quociente partidário do art. 107, mais um, cabendo ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher, desde que tenha candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima; (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015). II - repetir-se-á a operação para cada um dos lugares a preencher; (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015). III - quando não houver mais partidos ou coligações com candidatos que atendam às duas exigências do inciso I, as cadeiras serão distribuídas aos partidos que apresentem as maiores médias. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015) Grifei.
A leitura do art. 109 exige muita atenção. Vale lembrar que todo o sistema é totalizado de forma computadorizada. Os algoritmos feitos pelos programadores do TSE precisam ser compatíveis com a legislação, por isso, devem obedecer as seguintes premissas do art. 109:
- a) as vagas alcançadas pelos partidos, mas não ocupadas por ausência de candidatos que preencheram a cláusula de desempenho individual, serão distribuídas pelo cálculo das sobras;
- b) Só entrarão no cálculo das sobras os partidos que possuírem candidatos que tenham preenchido a cláusula de desempenho individual.
- c) apenas quando não houver mais partidos ou coligações com a maior média e que ao mesmo tempo tenham candidatos aptos, será desconsiderada a cláusula de desempenho individual.
A redação do inciso III do art. 109 é bastante controvertida. No entanto, analisando o sistema Totalizador, utilizado pelo TSE, percebe-se que a interpretação dada pelo grupo de sistemas de totalização foi a de que só participam dessa fase, num primeiro momento, os partidos ou coligações que preencherem as duas exigências: maior média e candidatos aptos. Ainda que um partido tenha a maior média, de nada adianta entrar nos cálculos se ele não possuir candidato apto.
Seguindo tais orientações, percebemos que na nossa eleição exemplo, o partido A perderá 3 das 5 vagas alcançadas, por ter apenas 2 candidatos aptos. Nesse caso, um puxador de voto arrastou várias cadeiras, mas os outros candidatos não tinham nem sequer uma votação mínima.
O partido B, por sua vez, alcançou 2 vagas, mas possui 3 candidatos aptos, por essa razão, ele poderá participar dessa etapa, pois caso tenha a maior média, também terá candidato apto disponível para ocupar a cadeira.
Por fim, o partido C alcançou apenas 1 vaga, mas por ter obtido uma votação bastante equânime entre os seus candidatos, possui mais 3 candidatos aptos além da vaga alcançada.
Indo para os cálculos, usaremos a fórmula das sobras, que é igual: total de votos do partido que preenche a dupla condição, dividido pelo número de cadeiras que o próprio partido ou coligação já alcançou, + 1. O partido A está fora por não ter candidatos aptos. A disputa fica entre o partido B e C. Na rodada da primeira das 4 vagas a serem consideradas, terei o seguinte cálculo:
Partido B - 139/2+1 = 46,3333
Partido C – 100/1+1 =50.
A primeira vaga das sobras, portanto, fica com o partido C que agora possui 2, das 9 vagas.
Na rodada da segunda vaga das sobras teremos:
Partido B – 139/2+1= 46,33333
Partido C – 100/2+1 = 33,333
A segunda vaga das sobras ficará com o partido B, que agora possui 3 cadeiras, no entanto, não lhe restam candidatos aptos, razão pela qual ele está fora da disputa a partir de agora.
Até agora temos o partido A com 2 cadeiras e apenas dois candidatos aptos. O partido B com 3 cadeiras e 3 candidatos aptos e o partido C, com 2 cadeiras e 4 candidatos aptos. Chegamos a um impasse. Temos apenas um partido que preenche as duas condições. Possui candidatos aptos e, por não ter concorrentes, terá, por consequência, a maior média, obtendo, portanto, a dupla condição exigida pelo inciso III do art. 109 do Código Eleitoral. Nesse caso, numa visão descontextualizada da norma, as demais vagas, caso não regulamentado pelo TSE ou obrigado por força judicial, ficarão para o partido C, uma vez que é o único a preencher a dupla condição.
Nesse sentido teremos como resultado da eleição:
Partido A – 2 vagas
Partido B – 3 vagas
Partido C – 4 vagas.
Antes da Lei 13.165/15 o resultado seria:
Partido A – 6 vagas
Partido B – 2 vagas
Partido C – 1 vaga.
Embora o partido A tenha obtido mais de 50% da votação válida, ocupará apenas 2 cadeiras. Por outro lado, o partido C com menos de 20% da votação, ocupará quase 50% das cadeiras, gerando uma desproporção entre votos obtidos e cadeiras ocupadas, razão pela qual eu chamo de Paradoxo da Proporcionalidade, ou até mesmo Paradoxo do Tiririca, em homenagem ao então Deputado Federal, uma vez que os especialistas são uníssonos em chamar o problema do arrastamento de candidatos de baixa expressão nas urnas de Efeito Tiririca.
Percebe-se, portanto, que a ausência de modelagem matemática para a alteração legislativa criou a possibilidade de uma inversão do sistema proporcional, na qual, o partido com a menor votação pode obter a maior quantidade de cadeiras quando houver um grande puxador de votos entre os concorrentes. Nesse caso, o sistema que deveria visar à proporção entre votos alcançados e cadeiras conquistadas, é deturpado por uma nova regra que foi criada para trazer uma resposta ao eleitorado sobre um problema que praticamente não existia, pois, conforme dito anteriormente, apenas 20 casos ocorreram se somadas as duas últimas eleições de 2012 e 2014.
Por fim, conclui-se que toda experimentação, em se tratando de sistemas eleitorais, é extremamente perigosa, devendo ser acompanhada por uma equipe multidisciplinar, composta, inclusive, por matemáticos. Embora o Paradoxo aqui desenvolvido possa não surgir nas eleições de 2018, a sua mera possibilidade ofende toda a lógica do sistema proporcional, razão pela qual não deveria sequer ter sido aprovado nas casas legislativas brasileiras. Resta a discussão judicial, que só poderá ser feita se os advogados brasileiros estiverem atentos ao problema e prontos para provocar a querela.