quinta-feira, 5 de agosto de 2021

A Jordânia e o Distritão

Dando continuidade à acalorada discussão sobre o famigerado sistema Distritão, ou, mais tecnicamente dizendo, o Sistema Eleitoral de Voto Único e Intransferível, busquei informações sobre países que supostamente o utilizavam para entender melhor a mecânica por trás do método, também busquei pelos resultados das últimas eleições nesses países, pois, de fato, os manuais de Ciência Política não conseguem acompanhar as reformas eleitorais de democracias incipientes, ou no nosso caso, talvez insipiente mesmo. 

Descobri que não é correto dizer que a Jordânia utiliza o sistema Distritão, fato alardeado por muitos especialistas na mídia e pelos artigos científicos recentemente publicados. Vamos aos detalhes. 

 Em 1957, o rei da Jordânia (sim, a Jordânia é uma monarquia na qual o Rei tem amplos poderes legislativos e executivos) decretou lei marcial. O país ficou sem eleições até 1989, quando os partidos puderam voltar a existir. Logo na primeira eleição (por meio do voto em bloco, sistema eleitoral inglês do pós-guerra), o partido islâmico ganhou 20 das 80 cadeiras.

O rei, insatisfeito com esse resultado e buscando reduzir o poder dos partidos, alterou o sistema eleitoral, em 1993, para um sistema chamado por eles de (al sawt al-wahid), em bom português algo como “um homem, um voto”, mas que a matemática leva a concluir que seja o tal Distritão. Feito isso, inúmeros boicotes ocorreram em todas as eleições entre 1993 a 2015 e várias foram as modificações eleitorais, inclusive o retorno do sistema de 1989 para o pleito de 2013. 

 Influenciado pelo levante popular – primavera árabe -, o rei buscou, desde 2011, melhorar o sistema eleitoral e garantir maior representatividade, tendo em vista que o Distritão concentrava poder nas mãos de poucos e era uma das razões das constantes revoltas no país. Ademais, embora o país registrasse 58% de eleitores do sexo feminino, por meio do Distritão, nunca eram eleitas mulheres, nem tampouco as minorias cristãs e de outros grupos tribais minoritários. 

 Dessa forma, visando reduzir as manifestações e melhorar a proporcionalidade do sistema, a partir de 2013, o rei Abdullah II alterou a forma de conversão de votos em cadeiras para a Câmara dos Deputados. Criou 15 cadeiras exclusivas para as mulheres, 9 para cristãos e outras cadeiras preferenciais para grupos religiosos minoritários. Além disso, das 130 cadeiras, 27 passaram obrigatoriamente a ser eleitas por meio do sistema proporcional (quota Hare), podendo as mulheres concorrer no grupo geral, ou no grupo de cadeiras reservadas, ao mesmo tempo. 

 Em 2016, houve nova reforma eleitoral visando as eleições daquele ano. Buscando ainda superar a reduzida representatividade das minorias, gerada pelo sistema Distritão, Abdulla II abandonou de vez o método majoritário e criou um sistema de candidaturas por meio de listas, no qual é possível o uso de 3 sistemas eleitorais diferentes, utilizados em ao menos 8 dos 23 distritos. Nos demais distritos, usa-se um sistema proporcional de listas abertas com voto múltiplo e, ainda, o sistema “best-loser” para as mulheres (a mulher não eleita, mas que tenha alcançado a melhor votação, leva a vaga em razão do assento preferencial). 

 Com isso, nas eleições de 2016, 20 mulheres foram eleitas, 5 além das cadeiras reservadas para elas. O partido islâmico conseguiu boa representatividade e arrefeceu sua insatisfação. O país ainda enfrenta sérios problemas políticos. Embora tenha melhorado a classificação do seu nível de democracia de “authoritarian” para “partly free”, a Câmara Alta e o primeiro-ministro continuam sendo indicados pelo rei, não havendo eleições para Senadores. Por isso, não sabemos quando será a próxima vez que o rei dissolverá o congresso e determinará novas regras. 

 Por ora, se o Brasil vier a adotar o Sistema “Distritão puro”, estará alguns anos atrás até mesmo da Jordânia, que agora utiliza sistema proporcional para suas eleições parlamentares. 

 Como comparação entre os países que ainda usam o sistema de voto único não transferível, temos o Afeganistão, um país que vive um sistema ditatorial e ainda sofre com as ameças do Talibã sobre o eleitorado, que pune vilarejos do interior do país com a perda de um dedo da mão caso sejam encontrados com a marca da tinta indelével usada nas eleições. Segundo a Freedom House, a democracia afegã recebeu nota média de 2,55 pontos, em razão do baixo pluralismo político de seu processo eleitoral. 

 Temos ainda as Pitcairn Islands (um amontoado de rochas perdidas na imensidão do pacífico) que atualmente tem 56 habitantes, Vanuatu, com 200 mil habitantes e o Kuwait, uma monarquia constitucional semi-democrática que na prática vive um autoritarismo do Emir Sabah Al-Sabah, cuja família mantém o controle do país desde 1752, por meio da dinastia Al-Sabah. 

 Enfim, o Brasil discute o uso de um sistema utilizado apenas em países autoritários ou incompatíveis em dimensão com uma das sete maiores economias do mundo, cuja pontuação no índice democrático alcança 6,90 pontos, limitado a evoluir apenas em razão da baixa cultura política do seu povo, cultura essa que foi pontuada em 3,75 pelo Democracy Index, mesma nota alcançada por países como Nigéria, República do Congo e Gabão. 

 Alexandre Basílio é palestrante, professor de Direito Eleitoral e Analista Judiciário da Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul.

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